segunda-feira, 6 de março de 2017

Moro não é um juiz, é um inimigo político do Lula

Emir Sader  04/03/2017
A forma como atua, desde o começo, Moro contra o Lula, é a forma de atuar de um inimigo político. De um tucano, mais especificamente, porque ao mesmo tempo poupa completamente seus correligionários, a ponto que a própria FSP declara que Aécio não pode ser blindado como tem sido até agora. E a blindagem vem, antes de tudo, do Moro, que chegou a afirmar, cinicamente, nos EUA, que não tinha avançado nenhum procedimento contra os tucanos, porque nenhuma denúncia tinha chegado a ele. Porque da mesma forma que trata o Lula e os petistas como inimigos, trata os tucanos como seus correligionários.
Moro é um quadro político da direita, antenado com as linhas de ação dos EUA, como a revelação da reunião revelada pelo Wikileaks confirma com data e declarações explícitas de que se trata de uma guerra do império contra as forças populares da América Latina. Um quadro que se baseia nas teorias do Estado de exceção para, alegando que se vive uma situação excepcional, em que a corrupção permearia toda a história do país e que permitiria, por isso, atuar acima da lei, com formas excepcionais, a ponto de tentar impor aceitação legal formas de interrogatório que incluam até mesmo a tortura, com tal que se busque um objetivo considerado positivo.
As arbitrariedades das formas como acusa o Lula, da forma como atua contra o Lula, da maneira como trata o Lula – "nine", conforme textos escritos por ele para seus comparsas -, as formas autoritárias como encara os processos do Lula, confirmam evidentemente de que não se trata de um juiz, com a imparcialidade que se espera de um juiz, mas de alguém interessado, acima de qualquer coisa, acima de qualquer preceito legal, em destruir politicamente o Lula.
A forma como tentou prender o Lula e levá-lo para seu feudo em Curitiba, há exatamente um ano atrás, sem nenhum fundamento jurídico, já demonstra que sua ação é para tentar desmoralizar publicamente a figura do Lula. As acusações, para as quais não encontra nenhuma testemunha, sobre o tal do tríplex ou o sítio do pedalinho, são ridículas. Considerar o Lula como réu das acusações do power point mais grotesco da história jurídica do pais, revela como Moro está disposto a passar por qualquer situação insustentável, com tanto de tentar condenar o Lula.
Ele se presta ao serviço que o golpe precisa para se consolidar: tirar, pelo tapetão, o Lula da disputa eleitoral. Porque sabem, ele e todos os outros membros da direita golpista brasileira, que o Lula é o presidente mais querido, de longe, pelos brasileiros, que sentem enorme saudade dele, e que ele é favorito para voltar a governar o país, caso o povo recupere o direito democrático de decidir quem deve ser o presidente do Brasil.
A tentativa de prender o Lula de forma arbitrária, a revelação indevidas das conversas do Lula com a Dilma e de conversas familiares da Dona Marisa com seus filhos, a aceitação de denúncias sem nenhum fundamento e com todas as testemunhas – inclusive as arroladas por ele – absolvendo o Lula, a presença em eventos políticos e em festas dos tucanos, com promiscuidade escandalosa – bastam para que Mora seja considerado incompetente para julgar o Lula. No entanto, ele extrai as delações que lhe interessam, monta o processo, acusa, se declara imparcial para tocar o processo, e quer julgar e condenar o Lula, para prestar serviço para seus comparsas tucanos e toda a direita golpista brasileira.
Moro é uma nova versão do Carlos Lacerda. Se vale de denúncias de corrupção, não para acabar com ela. Seus ganhos de marajá, por si só, já o desclassificariam para aparecer como justiceiro da moralidade. Tenta instrumentalizar as denúncias com objetivos políticos claros, de desqualificar o Lula e o PT, para abrir caminho para a consolidação do golpe.
É um personagem desprezível, incompatível com a democracia, preconceituoso contra o maior líder politico da história do Brasil, que quer se promover às custas da própria imagem popular do Lula. Deveria deixar a pantomima de juiz e se lançar diretamente à vida política e partidária. Mas tem pânico disso, porque sabe que em condições de disputa pública em igualdade de condições, Lula o destroçaria, o desmascararia, o colocaria no seu devido lugar. E ele é um covarde, que só pode encarar uma relação em situação de superioridade, valendo-se do arbítrio da sua posição atual. Dia 3 vai ter que baixar os olhos diante da presença e dos argumentos inquestionáveis do Lula e da presença moral do líder que os brasileiros desejam que volte a presidir o país. Quando da morte da Dona Marisa, Lula classificou, a ele e a seus comparsas, de facínoras. Sabe portanto o que Lula pensa dele, não terá condições de olhar nos olhos ao Lula.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Mistura do Parlamentarismo com o Presidencialismo

Fernando Nogueira da Costa

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Há dubiedade quanto à análise do papel de Getúlio Vargas na história do Brasil. Uns acham que o Getúlio II, isto é, o do segundo mandato (1951-54), era um líder popular autêntico que defendia uma “democracia trabalhista” e se redimira do passado de ditador do Estado Novo (1937-45). Este era caracterizado pela centralização do poder, nacionalismo, anticomunismo e por seu autoritarismo. Outros acham-no apenas um demagogo populista que demonstrou oportunismo para se reapresentar como líder político, adotando bandeiras de luta historicamente associadas ao nacional-desenvolvimentismo e contra os liberais entreguistas.
No dia 3 de outubro de 1950, exatos vinte anos depois do início da Revolução de 1930, a votação para a Presidência da República apontou Getúlio com vencedor da eleição com 48,73% dos votos válidos. Foram 3.849.040 votos – recorde histórico até então no país – contra 2.342.384 votos conferidos ao brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN. Apesar dessa nítida vitória, a UDN entrou na Justiça Eleitoral com um pedido de embargo da posse de Getúlio sob o pretexto de que o vencedor da eleição (em turno único) não obtivera a maioria absoluta.
Sessenta e quatro anos depois, o candidato do PSDB, herdeiro do clã dos Neves, também não aceitou a derrota em uma eleição presidencial. Desde a proclamação do resultado pelo TSE, ele apelou, dizendo que “não foi derrotado por um partido político, e sim por uma organização criminosa”. Com essa atitude antidemocrática, deu início às articulações golpistas dos que fomentaram os protestos nas ruas, defendendo o impeachment de Dilma Rousseff através de conspiração entre o Poder Parlamentar e o Poder Judiciário, louvada por orquestrações midiáticas.
Ao exigir que as eleições fossem anuladas, o discurso do Aecinho deu as manchetes dos jornais e revistas golpistas para ecoar o axioma de Carlos Lacerda junto aos udenistas-tucanos: “O senador Getúlio Vargas não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse…”. Seguem-no também agora, quando se referem à candidatura do Lula em 2018.
No entanto, assim como Dilma, Getúlio surpreendeu ao País ao anunciar para o segundo mandato um ministério de perfil nitidamente conservador. Não é incomum, na história política brasileira, “a acomodação freia-acelera”, isto é, enquanto o titular do ministério da Fazenda e o presidente do Banco Central do Brasil defendem, estritamente, um controle anti-inflacionário, os presidentes dos bancos públicos executam uma política de expansão do crédito. Foi assim durante o primeiro mandato de Lula. Tem sabedoria econômica: controla a demanda agregada em termos de consumo em curto prazo, mas não deixa de expandir o investimento em capacidade produtiva e infraestrutura para elevar a oferta agregada em longo prazo. O que é incomum é frear tudo, provocando uma Grande Depressão, como a vigente, iniciada por Joaquim Levy e aprofundada por Meirelles e Godfajn. É a vitória do neoliberalismo sobre o desenvolvimentismo.
Questionado a respeito do perfil da equipe, Getúlio se justificou dizendo que pretendia fazer um “governo de união nacional”. É possível tal façanha quando está em vigor discursos de ódios mútuos? Na verdade, perdura uma questão de ordem prática em todos os regimes presidencialistas que têm de enfrentar um “sistema prá lamentar”, isto é, um presidencialismo que se torna refém de um parlamentarismo oficioso. Como administrar o País com o Congresso Nacional em pleno funcionamento, disposto a aprovar “pautas-bombas” para a sabotagem da Presidência da República?
Com o Poder Executivo colocado como refém pelo Poder Legislativo, impõe-se a necessidade de uma base aliada sólida com maioria governista. Lula sofreu isso no seu primeiro mandato. Zé Dirceu, ao evitar o governo de coalizão ficar sequestrado por potenciais golpistas, colocando-o sob pressão e exigindo recompensa em dinheiro ou cumprimento de certas exigências, acabou por levar ao pé-da-letra a expressão “partidos de aluguel” que define a maioria dos pequenos partidos brasileiros. Porém, no segundo mandato, Lula ficou refém do PMDB, velhas raposas políticas de oligarquias regionais e/ou clãs dinásticos. O PMDB do Rio sequestrou não só a Petrobras, como também a cidade! O de Minas Gerais pretende sequestrar a Vale. São Paulo continua sequestrado por emplumados da mesma estirpe do ademarismo, janismo, malufismo…
É uma questão de aritmética. Com Getúlio, em 1950, os dois partidos da coligação vitoriosa fizeram, juntos, 75 deputados federais (51 do PTB e 24 do PSP), em Câmara de 304 integrantes. A UDN elegera, sozinha, 81 parlamentares, que somados aos 36 eleitos por legendas menores conservadoras, totalizavam 117 deputados. O fiel da balança política era o PSD, que conquistara a maior bancada com 112 representantes.
Hoje, os golpistas têm na Câmara: PMDB (72), PSDB (53), PP (48), PR (40), PSD (39), PSB (35), DEM (28), PRB (24), PTB (18), SD (14), PTN (13), PSC (10), PPS (10) e mais oitos legendas direitistas com menos de dez representantes cada, totalizando 409 deputados. A esquerda se reduziu a 104 deputados (20%): PT (60), PDT (20), PCdoB (12), PSOL (6), REDE (4), PRTB (1), sem partido (1). No senado, possui 14, sendo que o PT tem 10 senadores. Enfrentam 75 senadores dos partidos da base governista golpista.
A Folha de S.Paulo (26/02/17) publicou uma reportagem sobre “como criar um papudinho”. Este termo define aqueles políticos da base governista que estão com o papo cheio de verbas, cargos e prestígio. Dilma Rousseff se recusou a atuar plenamente de acordo com as regras oficiosas para fidelização de deputados. Temer os protege com:
  1. Emendas: parlamentares têm direito a destinar parte do Orçamento da União para obras em seus redutos. A execução dessas obras e a velocidade em que elas se dão, porém, dependem de uma série de decisões a cargo do Executivo. Para o Orçamento de 2017, eles apresentaram R$ 9,1 bilhões em emendas individuais.
  2. Cargos: parte dos cargos federais de livre nomeação é historicamente loteada pelo Executivo para indicados de parlamentares. Com isso, eles conseguem influência na administração federal.
  3. Carteirada: parlamentares defendem dentro do governo interesses de variados grupos econômicos e sociais, e (não raro) interesses privados. Para tanto, acesso privilegiado a ministros e à burocracia da máquina federal é essencial.
  4. Acesso VIP: parlamentares gostam de ser valorizados, dificilmente esquecem um telefonema ou encontro com o presidente da República. Mesmo que não ganhem nada, o “acesso direto” ao presidente valoriza o mandato do político.
  5. Palanque: parlamentares da base governista fazem questão de ser chamados para inaugurações de obras federais como forma de capitalizá-las eleitoralmente.
Nessas “regras conjunturais” não se consideram as “estruturais”: os currais eleitorais constituídos por concessões de redes de TV e rádio (“os coronéis midiáticos”) e comunidades religiosas e/ou paroquiais. O Poder Dinástico se mantém no Congresso Nacional de forma hereditária: 49% dos deputados federais eleitos são descendentes de políticos profissionais, haja visto que, em 2014, apenas 15% dos deputados que chegaram à Câmara com até 35 anos não tinham um sobrenome político
Em 1,2 mil entrevistas feitas em todo o País, a Ipsos pediu avaliações sobre vinte figuras públicas da política brasileira. Diante de cada nome, o entrevistado era convidado a dizer se aprovava ou desaprovava a maneira como a personalidade citada atua no País. A pesquisa foi realizada entre os dias 1o. e 11 de fevereiro de 2017. A margem de erro é de três pontos percentuais.
Os 16 políticos que disputam cargos eletivos testados tiveram mais desaprovação do que aprovação, sinal da descrença generalizada que assola a representação popular. Lula teve a maior aprovação (31% contra 66% de desaprovação), seguido pela Marina Silva (28% contra 57%). Dilma obteve, em terceiro lugar, 23% de aprovação contra 74% de desaprovação. Quanto a esta, empatou com Aécio, porém este só obtém 11% de aprovação. Perde até para Temer (74% de desaprovação e 17% de aprovação), Alckmin (respectivamente, 64% e 17%), Serra (66% e 20%) e FHC (66% e 21%).
Destaca-se também, nesta pesquisa, a desaprovação maior aos políticos profissionais mais conhecidos do que em relação aos menos conhecidos: Cunha (89% de desaprovação), Calheiros (82%), Maia (54%), Jucá (52%), Crivella (49%) e Dória (46%). Há preponderância da aprovação de membros do Judiciário sobre a dos políticos tradicionais. As três personalidades com maior taxa de aprovação no país são da magistratura. O juiz federal Sergio Moro, titular da Operação Lava-Jato na primeira instância, é líder isolado com 65% de resultado positivo; o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, ficou com 48%; e a atual presidente do STF, Cármen Lúcia, com 33%. Rodrigo Janot, obteve apenas 24% de aprovação, mas 43% de desaprovação. Um terço dos entrevistados, porém, não quis avaliar o chefe do Ministério Público federal ou declarou que não o conhecia o suficiente para opinar. Odiosos parlamentares são eleitos com poucos votos de seus conhecidos. A maioria dos votos é anulada.
A Ipsos não testou as taxas de aprovação e reprovação do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), político de extrema-direita que oscilou entre 11% e 12% em diferentes cenários de uma pesquisa de intenções de voto feita pelo instituto MDA entre 8 e 11 de fevereiro de 2017. Será ele o nosso Hitler, eleito para nos massacrar?!
Para elaboração de uma estratégia correta nas eleições de 2018 por parte da esquerda democrática, temos de levar em consideração toda a experiência histórica e todos esses dados recentes. O desafio será não só eleger o candidato com maior chance (hoje Lula), mas também uma maioria de parlamentares para não ficar novamente refém de PMDB e cúmplices. Isto não será fácil, pois implicará em elevar sua participação na Câmara de 20% para 51% dos deputados, ou seja, de 104 para 257. Será viável conseguir uma maioria em um quadro de intensa polarização e intolerância mútua em um sistema partidário fragmentado?
Talvez seja em um sistema bipartidário. Dedução: em uma eleição presidencial de dois turnos e parlamentar em turno único, a esquerda democrática tem que se reunir em uma Frente Ampla Parlamentar, desde o primeiro turno, para obter a maioria e exercer o Poder.